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terça-feira, 11 de agosto de 2009

ATÉ SARNEY QUER MAIS IGUALDADE


Por Alberto Carlos Almeida*

Sarney declarou: "Se houve crime para mim, houve crime para todo mundo". Curioso o desejo do senador de ser tratado igualmente. Se eu for punido, todos também terão que ser punidos. Se eu deixei de declarar imposto devido e pagarei uma multa por isso, então todos que fizeram o mesmo também deveriam pagar a multa. Aliás, pensando melhor, o que Sarney quer não é tão curioso assim. O desejo do senador se parece com o desejo da maioria dos brasileiros.

Sarney já foi senador pelo Maranhão, mas há tempos é eleito pelo Amapá. Quem aposta no porquê disso? Mais provável é que seu espaço político no seu Estado tenha se reduzido. Dizem que ele manda e desmanda no Maranhão. Se isso é verdade, então por que em 1990 foi candidato pelo Amapá e não pelo Estado em que manda e desmanda? Por que sua filha, Roseana Sarney, não conseguiu ser eleita governadora em 2006, tendo sido derrotada nas urnas por Jackson Lago, que ela recentemente derrotou na Justiça Eleitoral? Ainda que a decisão, no caso, tenha sido correta - os adversários da família Sarney realmente abusaram do poder econômico -, é algo de se estranhar. Quem abusou de poder não foram os Sarney, mas seus opositores. Pode ser.

Roseana foi eleita governadora em 1994, o que para muitos demonstra a força de Sarney em seu Estado. E foi reeleita em 1998. Poucos devem se recordar de que em 1994 o voto era 100% no papel, não havia urna eletrônica. Em todo o Brasil, a apuração do Maranhão foi a que mais demorou. Além disso, durante o processo eleitoral, quando iria ser divulgada pelo "Jornal Nacional" uma pesquisa que deixaria a candidata Roseana atrás do líder das pesquisas, Epitácio Cafeteira, faltou luz em todo o Maranhão. Justamente no bloco do noticiário no qual a pesquisa seria divulgada.

Naquela eleição ocorreu também a farsa do assassinato do ferroviário José Raimundo dos Reis Pacheco, que teria sido morto a mando de Cafeteira. Esse episódio foi fartamente usado por Sarney na propaganda eleitoral de Roseana, além de ter sido objeto da imprensa local, controlada, provavelmente sem abuso de poder, por Sarney. Não houve assassinato algum. Depois da eleição, Pacheco apareceu, como dizem, vivinho da silva. Antes do episódio, Cafeteira tinha vantagem de 12 pontos porcentuais sobre Roseana. Ele perdeu a eleição por 1 ponto.

Para muitos, todas essas ações mostram a força de Sarney no Estado. Para mim, mostram sua fraqueza. Se fosse realmente forte no Maranhão, o ex-presidente não precisaria dos votos do Amapá para ser senador. Se fosse realmente forte no Maranhão, Roseana e sua família não estariam hoje associados a suspeitas de controle sobre as centrais elétricas do Maranhão, sobre assassinato-farsa, apurações prolongadas e coisas do gênero.

Os recursos extraeleitorais supostamente utilizados pela família Sarney para vencer as eleições e dominar o Poder Executivo do Estado, se realmente o foram, mostram que a força não é tão grande assim. Todos sabem que o argumento da força é empregado quando não há mais força nos argumentos. Há Estados dominados pelo mesmo partido político ou pelas mesmas lideranças há várias eleições, sem que para isso tenha surgido toda sorte de suspeitas de fraude eleitoral. Não se trata aqui de purismos. Ao contrário. São muitos os indícios de compra de votos em eleições. Nossos tribunais têm cassado vários políticos por compra de votos.

A propósito, quanto a isso cabe uma questão. No caso da corrupção, o crime se aplica tanto a quem corrompe quanto a quem é corrompido? E na compra de votos, os dois lados são punidos? Quem compra e quem vende? Se quem vender o voto for preso, tudo indica, não haverá cadeia ou penitenciária que dê conta.

Quem dera o desejo de igualdade de Sarney fosse aplicado: todos os criminosos punidos. Senão todos, a maioria. Um dos debates mais frequentes no Brasil diz respeito ao fato de o eleitor não punir os políticos corruptos. É muito comum ouvir queixosos sobre a eleição de Collor para o Senado por Alagoas. Não só Collor, mas muitos outros políticos. Uma característica importante da votação de Collor é o seu padrão de votação. Ele foi mais votado no interior de Alagoas e menos votado à medida que se aproximava da capital. No Estado menos escolarizado do Brasil, o ex-presidente foi mais votado pelas regiões menos escolarizadas. Ele tem pouco ou nenhum apoio do Brasil moderno e muito apoio do Brasil arcaico.

Agora, por que Lula afaga Collor? Resposta simples: porque Collor não está preso. Se todos os políticos corruptos estivessem presos, não haveria aliança política com eles. É possível que alguém envolvido no processo de Collor envie um e-mail argumentando que ele não pode ser considerado corrupto porque nada foi provado. Assim, a absolvição dele e de outros políticos seria a prova de que não são culpados por supostos crimes de mau uso do dinheiro público. A causalidade seria a seguinte: se foi absolvido, então não é corrupto.

João Alves, o líder dos "anões do orçamento", ganhou numerosas vezes na loteria sem que isso causasse estranheza ou fosse prova em um eventual julgamento. Nos Estados Unidos, se uma sequência de números financeiros muito improvável acabar ocorrendo, isso pode ser considerado prova de provável fraude financeira. A sociedade americana está predisposta a obter provas contra esse tipo de crime. O inverso acontece no Brasil.

O desejo de igualdade é algo moderno, urbano, uma demanda de classe média, dos mais escolarizados. Quem mora no interior de Alagoas e vota em Collor aceita de bom grado a submissão. É o que denomino submissão voluntária. Vive-se, nesse contexto, uma vida completamente colada à sobrevivência, sem disponibilidade financeira, sem capacidade de endividamento, sem poder de consumo nem de barganha. Cumpre aceitar os mandamentos e as dádivas dos poderosos. Collor é um desses poderosos.

Veja-se o caso do policial americano criticado por Barack Obama por causa da prisão do professor negro de Harvard. O policial contra-argumentou e peitou o presidente. No Brasil, talvez o policial pensasse duas vezes no eventual risco de demissão no caso de enfrentar o presidente da República verbalmente e publicamente. Nos EUA, praticamente todos têm carro, seja Obama, antes de se tornar presidente, ou o policial. O mesmo se aplica aos bens e serviços de consumo: casa, viagens, utilização de voos como meio de transporte, utensílios domésticos, acesso à educação e saúde, etc. A renda não é a mesma, mas o acesso é universal. Não é esse o caso no Brasil.

O recente escândalo das passagens aéreas no Congresso não deixa margens para dúvida. Há pouco tempo tivemos o caos aéreo. Dizem que muitos brasileiros que nunca entraram em um avião passaram a fazê-lo. Ainda assim, são poucos os que tiveram a chance de voar. Só 17% dos brasileiros já entraram em um avião. Essa proporção é de 51% entre aqueles que completaram o ensino superior. Cai para 27% entre os que têm segundo grau completo e vai para míseros 8 e 9% entre a maioria dos eleitores de Sarney e Collor - melhor dizendo, entre os que nem sequer completaram o segundo grau. É também do Nordeste a menor proporção de pessoas que já entraram em um avião: 6%. Nos Estados Unidos, a proporção está por volta de 95% e isso inclui o presidente e o policial.

O desejo de mais igualdade tudo inclui. Igualdade perante a lei e igualdade perante as possibilidades de consumo são duas das maiores demandas. Todos os brasileiros de todas as faixas salariais trabalham muito. Os mais pobres sabem que terão menos acesso aos bens do que aqueles que estão em melhores condições financeiras. Não obstante, eles também querem comprar um carro, entrar num avião, viajar para o exterior.

O Brasil está plenamente representado na Câmara dos Deputados e no Senado. Lá há senadores e deputados tanto eleitos pelo minoritário Brasil moderno quanto pelo majoritário Brasil arcaico. Se queremos menos Collors, é preciso mais escolaridade. Também são necessárias mais ações da Justiça no sentido de condenar e retirar criminosos da vida pública. É preciso investigar, provar e condenar. Não podemos deixar toda a tarefa nas mãos dos eleitores. Eles têm seus limites.

* Sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record). E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com.br. www.twitter.com/albertocalmeida


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