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domingo, 4 de outubro de 2009

NINGUÉM É INOCENTE: 17 MILHÕES DE BRASILEIROS ADMITEM JÁ TER VENDIDO VOTO

Reportagem da Folha tenta explicar como dois acusados de corrupção - Cassol e Expedito - viabilizam suas respectivas campanhas eleitorais apesar dos processos e condenações.

FOLHA DE SÃO PAULO
LETÍCIA SANDER

Governadores e congressistas que tiveram seus mandatos cassados em decisões recentes da Justiça Eleitoral estão engajados para voltar à vida pública em 2010. Eles chegam à disputa não só competitivos, mas alguns até com favoritismo.

O senador Expedito Júnior (RO) encarna um exemplo clássico. Teve o seu mandato cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob as acusações de abuso de poder econômico e compra de votos, mas se mantém no cargo graças ao presidente do Senado -José Sarney (PMDB-AP) avisou que só o tirará da função quando esgotadas todas as possibilidades de recurso.

Mesmo diante de um provável revés judicial, trocou, num ato em Porto Velho diante de 4.000 pessoas no dia 25, o PR pelo PSDB e obteve o apoio da cúpula tucana, primeira etapa da busca pela consolidação de sua candidatura ao governo de Rondônia. Repetindo o argumento da maior parte dos cassados, ele diz: "O povo sabe que eu não comprei voto. Eles acompanham isso".

Na preparação para a corrida eleitoral, Expedito espera contar com a ajuda do atual governador, Ivo Cassol (sem partido), outro na mira do TSE. Cassol teve o mandato cassado em primeira instância sob acusação de compra de votos e seu destino depende de recurso.

Enquanto aguarda, Cassol deflagrou sua pré-campanha para uma vaga no Senado em 2010 pelo PP. A assessoria de Cassol diz que o processo gera um desgaste em virtude do alto custo com advogados, mas é taxativa: "eleitoralmente, a repercussão é mínima". Os defensores do governador, o segundo mais rico do país, chegam a argumentar que a acusação de comprar votos esbarra na personalidade do processado, descrito como "pão-duro".

Professor de ciência política na Universidade de Brasília, João Paulo Peixoto busca o "homem cordial" conceituado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda para tentar justificar a não condenação nas urnas. "Muitos se perguntam por que o Brasil não explodiu, com tantos escândalos recentes. Somos resignados? Ou apenas um povo de índole boa?", questiona. "É frustrante. É preciso mudar a cultura política."

O tucano Cássio Cunha Lima segue a regra. Em fevereiro, foi obrigado pelo TSE a deixar o governo da Paraíba, acusado de abuso do poder econômico e político. Passados sete meses, é apontado como favorito a uma vaga no Senado.

Prudência "Em princípio, estas candidaturas devem ser vistas com bastante prudência. Mas sobre o Cássio e o Expedito, não temos a menor dúvida. Não cabia a cassação em nenhum dos casos. Os dois são eleitíssimos", afirma o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE).

Jackson Lago (PDT-MA), segundo governador a perder o mandato em virtude de ação do TSE neste ano, movimenta-se no Maranhão para tirar a dianteira de sua substituta, a governadora Roseana Sarney (PMDB). Roseana enfrenta processo judicial que pode resultar no seu afastamento - o caso está na "fila" no TSE.

O episódio mais recente é o de Marcelo Miranda (PMDB), governador de Tocantins afastado no início deste mês, e que já se articula para sair ao Senado em 2010.

As acusações de abuso do poder econômico atingem todos os matizes políticos. A Procuradoria Geral Eleitoral encaminhou ao TSE um parecer em que opina pela cassação do governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), e seu vice, Belivaldo Chagas Silva, acusados de abuso de poder político e econômico, em período anterior à campanha eleitoral de 2006.

Segundo a ação, o então prefeito da capital sergipana, Marcelo Déda, que já havia declarado abertamente seu interesse em concorrer ao governo estadual, teria realizado maciça campanha promocional, ressaltando as realizações de sua gestão em Aracaju. De acordo com a denúncia, "utilizando-se da pecha de inaugurações de obras", foram realizados grandes comícios, incluindo shows.

O governador argumenta que os mesmos fatos foram analisados em outro processo, no qual foi inocentado.

17 milhões de brasileiros admitem já vendido voto

Ninguém é inocente

O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa Datafolha inédita. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia de Lima Barreto), conclui-se deste "Retrato da Ética no Brasil".

Por exemplo, 94% dizem ser errado oferecer propina, e 94% concordam ser repreensível vender voto -um padrão escandinavo, a região do norte da Europa que engloba países como Suécia e Noruega, os menos corruptos do mundo, segundo a Transparência Internacional.

Um país em que os eleitores trocam voto por dinheiro, emprego ou presente e acreditam que seus concidadãos fazem o mesmo costumeiramente; um país em que os eleitores aceitam a ideia de que não se faz política sem corrupção; um país assim deveria ser obra de ficção, como em "Os Bruzundangas" (Ediouro), livro de Lima Barreto de 1923.

Mas o Brasil da prática cotidiana parece mais com Bruzundanga do que com a Escandinávia. O Datafolha mostra que 13% dos ouvidos admitem já ter trocado voto por emprego, dinheiro ou presente - cerca de 17 milhões de pessoas maiores de 16 anos no universo de 132 milhões de eleitores.

Alguns declararam ter cometido essas práticas de forma concomitante. Separados por benefício, 10% mudaram o voto em troca de emprego ou favor; 6% em troca de dinheiro; 5% em troca de presente.

Dos entrevistados, 12% afirmam que estão dispostos a aceitar dinheiro para mudar sua opção eleitoral; 79% acreditam que os eleitores vendem seus votos; e 33% dos brasileiros concordam com a ideia de que não se faz política sem um pouco de corrupção. Para 92%, há corrupção no Congresso e nos partidos políticos; para 88%, na Presidência da República e nos ministérios.