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terça-feira, 4 de agosto de 2009

O COVEIRO DOS DIREITOS INDIVIDUAIS

POR OSWALDO VIVIANI*

Não sei quanto a vocês, leitores, mas a coisa que me deixa mais indignado com o coronel José Sarney é quando ele tenta posar de vítima. Outra situação que me irrita é quando ele busca demonstrar uma erudição que não possui. E Sarney exibiu essas suas duas facetas de sua persona farsante no artigo “A morte dos direitos individuais”, publicado na Folha de S. Paulo, na sexta-feira, e reproduzido na primeira página do seu jornal, no domingo.

Na verdade, nessa primeira vez em que se dignou a tratar do assunto desagradável (para ele...) que é a difusão nacional do rosário de imoralidades cometidas por ele e seu clã, Sarney quis, por meio de uma dissimulação falsamente elegante e pseudo-intelectual, tecer críticas à imprensa, situando-se como alvo injustiçado e indefeso de verdugos implacáveis, que aplicam “as leis da guerra à política, cuja finalidade não é o jogo das idéias, e sim, como na guerra, uma luta entre inimigos, não para vencer o adversário, mas para exterminá-lo”.

A internet – um “tsunami avassalador”, conforme Sarney – também foi incluída em seu índex da “mídia irresponsável”, muito embora o senador use e abuse dela em proveito próprio, contratando uma legião de jornalistas mercenários – e/ou alienados – para montar seu bunker de contra-informação cibernética.

Repetindo a mesma estratégia do “olha-como-eu-sou-sabido” que já adotara semanas antes, num discurso para ninguém no Senado, em que mencionou o senador romano Lúcio Aneu Sêneca, o senador amapaense insistiu na embromação: começou seu texto citando um pensador da Antiguidade, Aristóteles (384-322 a.C.). “A teorização da arte da política começa com Aristóletes”, ensinou. Errado. Ao menos outro pensador, Platão (427-347 a.C.), já havia feito isso em sua obra “A República”.

Na sequência, Sarney lembrou que Adolf Hitler – que dispensa apresentações – tinha horror à política. Bom exemplo. Mas pecou pela obviedade. Não passou pela cabeça “privilegiada” de Sarney sequer um nome tupiniquim de famigerados inimigos da política e da democracia.

Assim, na bucha, vêm à minha mente pelo menos cinco: Humberto de Alencar Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo.

José Sarney não os conhece? Certamente sim. Flertou “politicamente” com eles todos. Isso ficará de forma indelével em sua biografia, tão prezada pelo presidente Lula. Sarney apenas não se lembrou deles, da mesma forma que não sabia que o regime militar, que os cinco representaram durante 21 anos, institucionalizou a prática de tortura contra cidadãos brasileiros.

Sarney ainda citou o conde Affonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-1938) e Vladimir Illitch Ulianov Lênin (ele arcaicamente escreve Lenine).

O primeiro exemplo pode ter sido um ato falho de Sarney. Se não, por que o “republicano e democrata” senador teria desencavado em seus alfarrábios a menção a um monarquista convicto, que publicou, em 1900, um livro chamado “Por que me ufano de meu país”, depois do qual a expressão “ufanismo” passou a designar nacionalismo – ou patriotismo – extremado.

Durante sua vivência entre parlamentares, o conde, segundo Sarney, teria identificado no Congresso um grupo de “políticos que fazem política à custa da honra dos colegas”. Lição de perspicácia do conde. Principalmente porque ele morreu bem antes do “Caso Reis Pacheco”, da farsa da tentativa de matar Ildon Marques, das “arapongagens” e demais trabalhos sujos do “faz-tudo” sarneysista Chiquinho Escórcio e da “máquina de repetição e propagação” de baixarias midiáticas do Sistema Mirante contra adversários políticos. Fosse Sarney contemporâneo do conde Affonso, viraria logo seu mais precioso objeto de estudo.

Quanto a Lênin, além de conceder a ele, equivocadamente, a paternidade do conceito de que “os fins justificam os meios” (é uma idéia, e não uma frase, presente em “O Príncipe”, principal obra do filósofo florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), Sarney mais uma vez recorre a um exemplo óbvio de ojeriza aos métodos democráticos. O comunista Lênin é um bom modelo de tirania contra a livre circulação de idéias. Mas também há tiranos aos montes originários do mundo capitalista. Poderia ser Francisco Franco, Antônio de Oliveira Salazar, Richard Nixon, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, George Bush, Getúlio Vargas etc. etc.

Poderia ser José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o Censor, candidato a coveiro-mor dos direitos individuais no Brasil.

(*) Jornalista, editor do Jornal Pequeno


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