Pesquisar este blog

sábado, 8 de agosto de 2009

ESTRANGEIROS ENFRENTAM DIFICULDADES PARA ‘TRADUZIR’ CRISE NO SENADO BRASILEIRO

'Isso só existe no Brasil', diz cientista político americano ao G1.
Para correspondente, impunidade assemelha crises na América Latina.

Amauri Arrais
Do G1, em São Paulo



Nomeações de funcionários por meio de “atos secretos”, imóveis funcionais cedidos a parentes e mansões não declaradas, acusações de nepotismo, bate-bocas no plenário, tudo isso tendo como pano de fundo as eleições presidenciais de 2010. Se já é difícil para um brasileiro acompanhar a avalanche de denúncias que atinge o Senado, para estrangeiros, ‘traduzir’ a crise é quase uma missão impossível.

Para alguns destes estrangeiros que acompanham atentamente a política brasileira, isso ocorre porque muitos dos elementos envolvidos do mais recente “escândalo que pode paralisar o governo Lula”, como descreveu em edição desta sexta-feira (7) o “New York Times, são próprios da cultura local.

“O Congresso americano não tem um [José] Sarney. Isso é inédito, só existe no Brasil”, diz o cientista política da UnB (Universidade de Brasília) David Fleischer, norte-americano que vive no país há 47 anos. Segundo ele, mesmo no Brasil não há caso em que um ex-presidente tenha se tornado chefe do Poder Legislativo – no caso de Sarney, alvo principal dos atuais escândalos, pela segunda vez.

Para além dos infindáveis mandatos brasileiros, no entanto, o cientista político vê no discurso do presidente do Senado esta semana – em acusou todos os demais parlamentares a de terem cometido atos semelhantes aos seus – como reflexo de uma cultura política à brasileira.

“Não tem nenhum brasileiro que talvez não cavasse um emprego para um neto ou neta. Isso é muito comum na cultura brasileira”, diz o professor da UnB. Ele lembra que o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, logo ao assumir, nomeou o filho para titular da Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento em Pernambuco.

Embora admita que escândalos não sejam exclusividade do Parlamento brasileiro, Fleischer vê na mistura entre público e privado e nos privilégios de que gozam os congressistas fatores que dificultam o entendimento da crise no exterior.

“Deputados e senadores americanos já foram mandados para a prisão. Todas essas maracutaias, o americano conhece. Mas lá, o sujeito não tem foro especial [para ser julgado]. É um pouco difícil para o povo americano entender”, afirma o professor, responsável pela edição da newsletter semanal Brasil Focus.

Impunidade

Ao comparar a crise no Congresso ao recente escândalo envolvendo parlamentares britânicos, o jornalista argentino Eduardo Davis, em Brasília há quatro anos, acrescenta a impunidade como outro agravante da crise local.

“Há uma diferença porque na Inglaterra este é um assunto que parece provocar muito mais vergonha, provoca demissões. Talvez isso pode ter alguma relação com um certo grau de impunidade na América Latina”, diz o correspondente da agência de notícias Efe para a região.

O uso abusivo de verbas parlamentares descoberto em Londres levou um grupo de deputados e lordes a deixarem seus cargos e à renúncia do presidente da Câmara dos Comuns, Michael Martin.

Davis vê semelhanças na política dominada por “caciques” partidários nesta parte do continente, mas acredita que crises locais, como a atual, só despertam a atenção dos estrangeiros quando atinge o governo federal, com reflexos, por exemplo, nas eleições presidenciais.

“Se isso tivesse acontecido há dois anos, este escândalo talvez não tivesse a mesma dimensão do que às véspera das eleições. Todos sabemos que os anos anteriores às eleição são de campanha, de articulações”, diz.

O inverso, segundo ele, também se dá no Brasil. “Ninguém no Brasil entendeu o que estava acontecendo em Honduras até o golpe. Só quando ocorreu o golpe, a imprensa conheceu um personagem como [Roberto] Michelleti, e ele era o presidente do Congresso.” Michelleti assumiu a presidência interina do país após o golpe que depôs o presidente Manuel Zelaya.

Guia da crise

Correspondente no Brasil do site GlobalPost e colunista do “New York Times”, o jornalista Seth Kugel reuniu, com a ajuda de David Fleischer, perguntas e respostas para entender a atual crise. No artigo intitulado “Brazilian Senate scandals: a guide” (Escândalos no Senado brasileiro: um guia), ele compara as denúncias no Brasil às acusações que levaram um vereador de Nova York, Miguel Martinez, a renunciar ao cargo e restituir cerca de US$ 100 mil aos cofres públicos.

“Isso simplesmente não aconteceria no Brasil. Renunciar ao cargo: ocasionalmente. Devolver dinheiro aos cofres públicos: raramente. Ser preso? Provavelmente nunca. Relembre os últimos escândalos e você achará muitos dos seus protagonistas de volta aos cargos públicos”, escreve.


Nenhum comentário:

Postar um comentário