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sábado, 22 de agosto de 2009

"É PARA SALVAR O SARNEY"


Como foi armada e executada a operação para enquadrar o PT e arquivar as denúncias contra Sarney em troca do apoio do PMDB a Dilma

Otávio Cabral

NO FINAL, TODOS SAÍRAM FELIZES
O peemedebista Romero Jucá e Renan Calheiros comemoraram o arquivamento das acusações contra o senador José Sarney

A operação que salvou o presidente do Senado, José Sarney, começou no fim da tarde da quarta-feira 12 de agosto. O presidente Lula convocou para uma conversa seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, e o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Relatou aos dois um recado que havia recebido na véspera dos senadores José Sarney e Renan Calheiros. A dupla avisara que, caso o PT se negasse a usar sua força para engavetar os processos contra o presidente do Senado, o PMDB abandonaria a campanha presidencial de Dilma Rousseff. "Não vamos aceitar jogo de cena do PT", disse Calheiros. Preocupado, Lula determinou a Berzoini e Carvalho que levassem a seguinte ordem ao senador Aloizio Mercadante, líder do partido no Senado: "É para salvar o Sarney".

Embora tenha sido exitosa, a missão não era simples. Os senadores do PT estavam divididos entre a lealdade ao presidente e a própria sobrevivência política. A maioria não tinha nenhum problema de consciência em absolver Sarney, mas temia se desgastar junto à opinião pública. Afinal, cerca de 70% dos brasileiros, segundo pesquisa do instituto Datafolha, querem vê-lo fora do comando do Senado. Contrariar a opinião pública, faltando pouco mais de um ano para as eleições, é sempre uma temeridade. O foco de resistência era o Conselho de Ética. Dois dos três representantes do partido, Delcídio Amaral e Ideli Salvatti, não queriam votar publicamente pela absolvição de Sarney, embora sejam ferrenhos aliados do senador. Estavam receosos do reflexo que isso poderia ter na campanha no ano que vem. O único senador totalmente à vontade para defender Sarney era o amazonense João Pedro. Suplente, sem voto e, portanto, sem motivo para ter vergonha, João Pedro é um antigo companheiro de pescaria de Lula e faz qualquer coisa para agradar-lhe. Os dois votos petistas levariam Sarney ao cadafalso.

Para contornar o problema, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, sugeriu a substituição do senador Delcídio Amaral pelo suplente, Roberto Cavalcanti, do PRB da Paraíba (voto pró-Sarney). Ideli Salvatti se absteria na hora de verbalizar sua decisão e todos sairiam felizes. Havia, porém, outro problema. O líder Aloizio Mercadante já tinha dito publicamente que não patrocinaria nenhuma manobra para salvar Sarney. Cabe apenas ao líder substituir os membros das comissões. Ficou acertado que, para evitar o constrangimento, Mercadante faria uma "viagem" ao Uruguai por uns dias. Ele topou a armação, mas, depois de pensar bem, voltou atrás. Na tarde da sexta-feira 14, ligou para Gilberto Carvalho para avisar que desmarcara a "viagem". Mercadante concluiu que a manobra o desgastaria ainda mais perante o eleitorado. "Não vou mais. Na segunda-feira estarei no Congresso." A quebra do acordo irritou o presidente Lula e o PT, que sentiu na decisão de Mercadante cheiro de traição e de uma indesejada rebelião no partido.

No fim de semana, Lula resolveu cuidar pessoalmente do trabalho de alinhamento dos senadores petistas, escalando uma tropa de choque para convencê-los da importância da missão. E que tropa. José Dirceu, o "capitão" do time de Lula que hoje é réu sob a acusação de chefiar a quadrilha do mensalão, naquele tom que lhe é característico conforme o nível de servilismo ou resistência do interlocutor, falou aos colegas sobre a necessidade de salvar Sarney para ter o PMDB ao lado de Dilma em 2010. Seu principal adversário dentro do PT, o ministro Tarso Genro, da Justiça, também ajudou na operação – usando a ameaça como argumento. A mando de Lula, Genro procurou o senador Paulo Paim, seu conterrâneo do Rio Grande do Sul, e falou que ele só seria candidato à reeleição se não fizesse nenhuma manifestação contra Sarney. Paim se calou.

O senador Mercadante, já sem controle da bancada que acreditava liderar, passou a protagonizar um vexame atrás do outro. Depois de desistir da farsa uruguaia, ainda ouviu um sermão de Ricardo Berzoini e Gilberto Carvalho. Os dois disseram ao senador que o governo não aceitava sua posição dúbia e que ele deveria substituir, sim, Delcídio Amaral e Ideli Salvatti no Conselho de Ética. Mercadante, então, ameaçou pela primeira vez renunciar à liderança do PT no Senado. Embora ninguém tenha pedido que ficasse, ele não consumou a ameaça, advertido por Berzoini de que ainda poderia ficar sem legenda para disputar a eleição paulista de 2010. O passo seguinte foi chamar Delcídio e Ideli para uma conversa. "Ser governo tem ônus e bônus. Agora é a hora do ônus", explicou Berzoini. A dupla aceitou a missão. Na noite de terça-feira, Berzoini foi à casa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e, na presença do senador, informou: "Vamos cumprir integralmente o acordo".

No rol de humilhações, a cúpula do PT produziu mais uma para enquadrar Mercadante. Exigiu que ele lesse uma nota do partido orientando os senadores a votar pela absolvição de Sarney. Quem acabou lendo a nota foi o suplente João Pedro. Delcídio e Ideli passaram a sessão calados e cabisbaixos, com o rosto enfiado em jornais e revistas, para fugir das câmeras de televisão. Na hora de votar, disseram "sim" para Sarney fora dos microfones. Mercadante anunciou que renunciaria à liderança do partido. O senador chegou a marcar a hora do discurso da renúncia, a qual anunciou como "irrevogável". Mas, depois de uma conversa com Lula, a coragem passou. Ele então fez uma das mais convolutas piruetas político-semânticas de que se tem notícia. Mercadante conseguiu o feito digno de guru indiano de "renunciar à renúncia" e "revogar o irrevogável". Continuará liderando a tropa petista sobre a qual ele já não exerce liderança alguma. Em sentido inverso, a senadora Marina Silva cumpriu o que anunciou e abandonou o PT. O mesmo ocorreu com o senador Flávio Arns, que nem anúncio prévio fez. Ao se transformar em um partido em que um Renan vale mais do que uma Marina Silva, o PT perdeu o pouco de brilho que sua estrela ainda emanava.


Todo mundo quer ser doutor

Pode ser um sinal de que, em certo sentido, a era Lula foi superada

Monica Weinberg

Ricardo Stuckert/PR
DOUTOR HONORIS CAUSA Lula recebe um título na Fiocruz: "Diploma não mede inteligência"

Aconteceu na semana passada, e deverá acontecer com frequência daqui em diante: pequenos sinais no debate político mostrando que, em certo sentido, a era Lula está sendo superada. O episódio teve como protagonistas o senador petista Aloizio Mercadante e o governador de São Paulo, José Serra, possível candidato tucano na campanha presidencial de 2010. O tema da discussão era o diploma universitário. Desta vez, no entanto, o que estava em jogo eram o brilho e a exatidão do currículo acadêmico de cada um – e não o valor prático ou simbólico da educação formal, um assunto sobre o qual Lula discursou tantas vezes, quase sempre de maneira infeliz.

Ao longo de toda a carreira política, Lula se esforçou (com sucesso) para provar que um torneiro mecânico que jamais chegou à universidade estava apto a exercer a Presidência do país. Bastava martelar a tecla de que numa democracia as oportunidades devem estar abertas a todos. Mas ele também lançou mão de outros dois tipos de argumento. Primeiro, dizer que o diploma é um emblema da "elite" – palavra que no léxico da esquerda é sinônimo de "escória". Mais que enfeitar a parede, o canudo serviria para marcar a diferença entre quem pode e quem não pode exercer o poder. O segundo tipo de argumento expressa um certo anti-intelectualismo – uma certa apologia do "homem simples". Em diversos palanques, Lula bradou frases do tipo "No Brasil, todo mundo tem o hábito de confundir título universitário com sabedoria" ou "Diploma não mede a inteligência de ninguém". Ter coração, diz o presidente, é mais importante do que ser letrado.

Transformar a educação formal num dos atributos da elite malvada é o tipo de ideia que dificilmente aparecerá na próxima eleição presidencial. Na verdade, o debate já enveredou por outro caminho: o de valorizar a formação universitária e o diploma – mesmo aquele que não se tem. Num de seus muitos tropeços da semana passada, o senador Mercadante quis prestar um serviço a Dilma Rousseff, virtual candidata de Lula à sua sucessão, respondendo ao fato de que um currículo oficial da ministra indicava falsamente que ela tinha mestrado e doutorado em economia. Para defender Dilma, Mercadante atacou José Serra. Disse que ele não concluiu o curso de engenharia, ao contrário do que foi publicado, vários anos atrás, em anuários do Senado. O senador teve de engolir uma réplica dura. Serra, que conta com dois mestrados e um doutorado em economia, sempre disse em público que nunca completou o curso de engenharia por causa do golpe militar. Reiterou essa informação e ainda contra-atacou, dizendo que era Mercadante quem mentia sobre o próprio currículo. De fato, o senador já chegou a afirmar, até em programa de televisão, que concluiu doutorado na Unicamp – quando na realidade ficou só na graduação. De qualquer forma, é bom saber que os políticos voltaram a valorizar a educação formal. Melhor ainda quando estudaram de verdade.


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