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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

CENSURA SARNEYSISTA À IMPRENSA ATINGE O JP


DECISÃO INCOMPATÍVEL COM O REGIME DEMOCRÁTICO

Juiz manda retirar do site do jornal reportagem que revelou investigação da Polícia Federal sobre o pagamento de mesadas das filhas de Fernando Sarney por meio do ‘caixa 2’ da Mirante

POR OSWALDO VIVIANI

Da mesma forma que o tradicional jornal O Estado de S. Paulo e seu site, que foram proibidos pelo juiz Dácio Vieira (TJ-DF) de veicular reportagens e gravações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal – que investiga o superintendente do Sistema Mirante, Fernando Sarney –, o Jornal Pequeno também foi atingido por censura judicial imposta pelo clã Sarney. No dia 1º deste mês, o portal do JP foi obrigado a retirar do ar uma matéria publicada no dia 8 de março passado que revelou uma investigação da Polícia Federal sobre o pagamento de mesadas das filhas de Fernando Sarney por meio do “caixa 2” da Mirante.

A decisão de censurar a página eletrônica do JP foi do juiz Nemias Nunes Carvalho, da 2ª Vara Cível de São Luís, acatando ação interposta por Fernando Sarney. O juiz estabeleceu multa diária de R$ 3 mil caso a ordem não fosse cumprida. O JP já recorreu da medida – que, assim como no caso do “Estadão”, considera uma restrição à liberdade de imprensa, incompatível com o regime democrático vigente no Brasil.

Nemias Carvalho é um dos 10 juízes contra os quais a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão instaurou inquéritos administrativos para apurar irregularidades, depois de correição realizada em sete varas de São Luís, em janeiro e fevereiro deste ano.

Boi Barrica – A reportagem que motivou a censura judicial ao JP foi baseada estritamente no que apontou a Polícia Federal no inquérito (Operação Boi Barrica) que apurou o “esquema criminoso”, segundo termos da própria PF, que tem o empresário Fernando Sarney como chefe.

Fernando Sarney tenta calar a imprensa com medidas judiciais

A menção às “mesadas” e outros pagamentos feitos pela São Luís Factoring (empresa do grupo Mirante investigada por lavagem de dinheiro) às filhas de Fernando estão nas páginas 33, 34, 35, 36 e 37 do relatório final da PF, assinado pelos delegados Márcio Adriano Anselmo e Thiago Monjardim Santos, da Diretoria de Combate ao Crime Organizado (Divisão de Repressão a Crimes Financeiros).

Vários “grampos”, realizados com autorização judicial, revelaram, de acordo com a PF, que a São Luís Factoring “serve como um grande caixa para as movimentações pessoais de membros da família” (página 36), e que Luzia de Jesus Campos de Sousa, funcionária de confiança de Fernando Sarney, era quem fazia os pagamentos, “quase sempre em espécie, seguindo determinações de seu patrão [Fernando].

Nos diálogos interceptados, ficaram comprovados pagamentos por meio da factoring a pelo menos quatro filhas de Fernando – Maria Beatriz (notabilizada por pedir ao avô, José Sarney, um cargo no Senado para o namorado, Henrique), Paula Renata, Ana Theresa e Maria Adriana. “Paula Renata, em que pese tenha apresentado Declaração Anual de Isento, movimentou no ano de 2006 quase R$ 150 mil, chegando a movimentar em conta corrente, só num mês, mais de R$ 24 mil”, relata a PF.

João Fernando Michels Gonçalves Sarney, filho de Fernando Sarney descoberto entre os nomeados por ato secreto no Senado, também aparece no relatório da PF (página 36) como beneficiário de pagamentos por meio da factoring da Mirante.

Outra filha de Fernando Sarney, Ana Clara (sócia da São Luís Factoring, juntamente com sua mãe, Teresa Murad Sarney), igualmente é citada no relatório da Polícia Federal. Ela chegou a ter sua prisão temporária pedida pela PF. O juiz Neian Milhomem Cruz negou o pedido.

Conforme a PF, Ana Clara é suspeita de ter recebido dinheiro ilegal de Paulo Guimarães, o “PG”, dono do grupo de comunicação Meio Norte, do Piauí, e conhecido no fim dos anos 90 por ser dono do bingo virtual Poupa Ganha e por envolvimento em lavagem de dinheiro. A PF grampeou diálogos e troca de mensagens entre Paulo, Fernando e Ana Clara no começo de 2008.

As conversas se dão de forma cifrada, denotando, segundo a PF, “pela situação em si, que não se trata de algo lícito, até pela maneira como buscaram se evadir”.

No dia 4 de março de 2008, a Polícia Federal grampeou a seguinte troca de mensagens entre “PG” e Ana Clara:

Paulo Guimarães - Você quer receber aí no Rural [suposta referência ao Banco Rural] na próxima semana ou junto aqui e até a próxima semana pega aqui tudo de uma vez, você que escolhe.

Ana Clara - Como seria essa entrega aqui? Quem pegaria? Como seria feito?

Paulo Guimarães - Duas carradas de leite Ninho e duas de Perlagon preços da Nestlé com nota fiscal do distribuidor do Piauí, você arranja quem pega aí.

Ana Clara - Me lig de um bom n. [A transcrição em poder da PF é feita dessa forma, mas depreende-se que o sentido da frase é “me liga de um bom número].

Sarney repete estratégia de tentar calar o JP pela via judicial

A ordem para a retirada de uma reportagem do portal do Jornal Pequeno não é a primeira ação do clã Sarney, por via judicial, para tentar calar o “órgão das multidões”.

Já no início de sua carreira política, em 1968, quando era governador do Maranhão, José Sarney processou o jornalista José Ribamar Bogéa, o popular Zé Pequeno, fundador do JP. O motivo: três artigos do então deputado federal Domingos Freitas Diniz (atualmente com 75 anos), com críticas contundentes a Sarney, publicados no jornal.

Num primeiro julgamento no Tribunal de Justiça do Maranhão, no qual atuaram vários desembargadores que haviam sido nomeados pelo próprio José Sarney, o jornalista foi condenado a mais de um ano de prisão sem direito a “sursis” (suspensão da pena).

No entanto, o processo foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, onde, depois de obter um habeas corpus em 6 de outubro de 1970, Bogéa obteve sua vitória definitiva no processo em 16 de dezembro de 1970. Todos os sete juízes do Supremo votaram contra Sarney.

Em abril de 2008, pouco antes de virem à tona os escândalos em série do Senado, protagonizados por José Sarney, o senador entrou na Justiça com uma ação de reparação por danos morais contra o JP e uma representação criminal contra seu diretor geral, Lourival Bogéa.

Sarney se sentiu atingido pela reprodução pelo JP, de várias matérias da imprensa nacional, além de artigos assinados e até a carta de um leitor que apontava erros de português cometidos pelo senador.

Em dezembro de 2008, o juiz Aiston Henrique de Sousa, da 6ª Vara Cível de Brasília, determinou, em primeira instância, que o jornal pagasse R$ 50 mil a Sarney, em vez dos R$ 220 mil pedidos pelo senador. A representação criminal contra Bogéa ainda tramita na Justiça.


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